sexta-feira, 26 de outubro de 2012

OEA :: Relatoría Especial para la Libertad de Expresión


A.         Introdução
1.         Nos Relatórios da Relatoria para a Liberdade de Expressão correspondentes aos anos 1998 e 2000, foi incluido o tema relacionado com as leis de desacato vigentes nos países do hemisfério.[1] O Relator considera que é importante manter o acompanhamento do avanço das recomendações efetuadas em ambos relatórios, principalmente quanto à necessidade de derrogar esta normativa a efeitos de ajustar a legislação interna aos padrões consagrados pelo sistema interamericano quanto ao respeito ao exercício da liberdade de expressão. É intenção da Relatoria continuar este acompanhamento a cada dois anos, já que é um tempo prudente para permitir, aos distintos Estados membros, levar adiante os processos legislativos necessários para as derrogações ou adaptações legislativas recomendadas.
 2.         Lamentavelmente, a Relatoria considera que não houve avanços significativos desde a publicação do último relatório sobre a questão: são muito poucos os países que derrogaram de sua legislação as leis de desacato, sem prejuízo de que existam algumas iniciativas em outros que se encontram em processo de fazê-lo.
3.         Preocupa também à Relatoria que os geralmente chamados “delitos contra a honra”, entre os que se incluem as injúria e as calúnia, são usados com os mesmos fins que o delito de desacato. Uma regulação deficiente nesta matéria, ou uma aplicação arbitrária está em desacordo com a recomendada derrogação das leis de desacato. Embora esta observação esteja contida nos relatórios da Relatoria antes citados, não foram registrados avanços sobre a questão.
4.         Nesta oportunidade a Relatoria renova e atualiza os argumentos que recomendam a derrogação das leis de desacato. Em seguida, se aprofunda em algumas considerações referentes aos delitos contra a honra, a importância de sua reformulação legislativa, ou, ao menos, a necessidade de uma reinterpretação judicial, quanto a sua aplicação. Finalmente, se mencionam os países que tem avançado sobre a derrogação das leis de desacato e também se expõem outras iniciativas destinadas à derrogação assim como à modificação do capítulo dos delitos contra a honra dos respectivos países.
B.        As leis de desacato são incompatíveis com o artículo 13 da Convenção
5.         A afirmação que intitula esta seção é de longa data: tal como a Relatoria expressou em informes anteriores, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) efetuou uma análise da compatibilidade das leis de desacato com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em um relatório realizado em 1995[2]. A CIDH concluiu que tais leis não são compatíveis com a Convenção porque se prestavam ao abuso como um meio para silenciar idéias e opiniões impopulares, reprimindo, desse modo, o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das instituições democráticas [3]. A CIDH declarou, igualmente, que as leis de desacato proporcionam um maior nível de proteção aos funcionários públicos do que aos cidadãos privados, em direta contravenção com o princípio fundamental de um sistema democrático, que sujeita o governo a controle popular para impedir e controlar o abuso de seus poderes coercitivos[4].  Em conseqüência, os cidadãos têm o direito de criticar e examinar as ações e atitudes dos funcionários públicos no que se refere à função pública[5].  Ademais, as leis de desacato dissuadem as críticas, pelo temor das pessoas às ações judiciais ou sanções fiduciárias.  Inclusive aquelas leis que contemplam o direito de provar a veracidade das declarações efetuadas, restringem indevidamente a livre expressão porque não contemplam o fato de que muitas críticas se baseiam em opiniões, e, portanto, não podem ser provadas.  As leis sobre desacato não podem ser justificadas dizendo que seu propósito é defender a “ordem pública” (um propósito permissível para a regulamentação da expressão em virtude do artigo 13), já que isso contraria o princípio de que uma democracia, que funciona adequadamente, constitui a maior garantia da ordem pública[6].  Existem outros meios menos restritivos, além das leis de desacato, mediante os quais o governo pode defender sua reputação frente a ataques infundados, como a réplica através dos meios de comunicação ou impetrando ações cíveis por difamação ou injúria.  Por todas estas razões, a CIDH concluiu que as leis de desacato são incompatíveis com a Convenção, e instou os Estados  que as derrogassem.
6.         Concomitantemente a esta opinião da CIDH, distintas organizações internacionais e organizações não governamentais de todo o mundo têm-se manifestado, de maneira uniforme sobre a necessidade de abolir estas leis, que limitam a liberdade de expressão ao castigar as manifestações que possam ofender os funcionários públicos. Muitas destas manifestações foram já citadas nos Relatórios anteriores da Relatoria. Resumindo: 
7.         Em março de 1994, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) realizou uma conferência hemisférica sobre liberdade de imprensa no Castelo de Chapultepec, na cidade do México.  A declaração foi subscrita pelos Chefes de Estado de 21 países da região, e é considerada uma norma modelo para a liberdade de expressão[7].  A respeito das leis sobre desacato, a Declaração estabelece no Princípio 10: “Nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser punido por divulgar a verdade ou formular críticas ou denúncias contra o poder público”.
8.         Em 26 de novembro de 1999, Abid Hussain, Relator Especial das Nações Unidas sobre Liberdade de Opinião e de Expressão naquela época, Freimut Duve, representante sobre Liberdade dos Meios de Comunicação da OSCE, e Santiago Canton, Relator para a Liberdade de Expressão da CIDH naquele momento, emitiram uma declaração conjunta na qual manifestavam que em muitos países existem leis, como as leis sobre difamação, que restringem indevidamente o direito à liberdade de expressão, e instavam os Estados que revisassem estas leis com o objetivo de adequá-las a suas obrigações internacionais.  Em outra reunião conjunta celebrada em novembro de 2000, os Relatores adotaram outra declaração conjunta, que se refere ao problema das leis sobre desacato e difamação.  Nesta declaração, os Relatores defenderam a substituição das leis sobre difamação por leis civis, e afirmaram que se devia proibir  a interposição de ações de difamação relacionadas com o Estado, objetos como as bandeiras ou símbolos, os organismos governamentais e as autoridades públicas.
9.         Em julho de 2000, Artigo XIX, uma organização não governamental mundial que toma seu nome do artigo que protege a liberdade de expressão da Declaração Universal de Direitos Humanos, promulgou um conjunto de princípios sobre liberdade de expressão e proteção da reputação.[8]  O princípio 4(a) estabelece que todas as leis sobre difamação devem ser abolidas e substituídas, quando necessário, por leis apropriadas de difamação civil[9].  O Princípio 8, sobre funcionários públicos, estabelece que “em nenhuma circunstância as leis sobre difamação devem proporcionar proteção especial aos funcionários públicos, qualquer que seja seu cargo ou situação.
10.       Em outubro de 2000, a CIDH aprovou a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão[10], promulgada pela Relatoria para a Liberdade de Expressão.  A Declaração constitui uma interpretação definitiva do Artigo 13 da Convenção.  O Princípio 11[11] refere-se às leis sobre desacato.
11.       Em seu relatório de janeiro de 2001, o Relator Especial das Nações Unidas sobre Liberdade de Opinião e de Expressão também manifestou-se contrário às leis sobre difamação e, em particular, contra as leis que proporcionam proteção especial a funcionários públicos.[12]
12.       Como foi este antes, estas expressões já foram descritas nos relatórios anteriores da Relatoria. No presente relatório, o Relator destaca que a opinião, quase universal, sobre a necessidade da derrogação das leis de desacato segue vigente, tal como pode ser observado nas seguintes manifestações:
13.       O relatório anual 2002 do Banco Mundial sobre desenvolvimento[13] dedica um capítulo à importância dos meios de comunicação nesta matéria. Especificamente no que se refere às leis de desacato, é este que: As leis de desacato são particularmente restritivas, e protegem grupos seletos tais como a realeza, políticos e funcionários do governo frente a críticas. Normalmente, as leis de desacato tipificam como delito penal o prejudicar a "honra e dignidade" ou a reputação destes indivíduos e instituições seletas, sem levar em conta a verdade. Um estudo de 87 países constatou que estas leis são, surpreendentemente, freqüentes, em particular nas ações por difamação... Na Alemanha e nos Estados Unidos são pouco comuns e muito raramente invocadas. Ainda assim, em muitos países em desenvolvimento, são o meio favorito para acossar os jornalistas.
14.       Em 13 de setembro de 2002, em Dakar, Senegal, celebrou-se a décima reunião geral de Intercâmbio Internacional pela Liberdade de Expressão [14]. A declaração subscrita pelas organizações participantes[15] expressa que as leis concebidas para dar proteção especial da crítica pública e controle por parte da imprensa a líderes nacionais, altos funcionários, símbolos do Estado e a nacionalidade são anacronismos nas democracias e ameaçam os direitos dos cidadãos ao acesso livre e pleno à informação sobre seu Governo. A declaração insta aos Governos a eliminar essas leis antiquadas. A declaração dispõe que “As leis normais e razoáveis contra a calúnia e a difamação que estão à disposição, por igual, de todos os membros da sociedade são suficiente proteção contra qualquer ataque injusto. Essas leis deveriam ser do direito civil, não do direito penal, e só deveriam prever casos de danos e prejuízos demonstráveis. Aos funcionários públicos lhes corresponde menos, e não mais, proteção contra a crítica que aos privados. Os organismos públicos, categorias de funcionários, instituições, símbolos nacionais e países não deveriam ser imunes ao comentário e a crítica existentes dentro das democracias que honram a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. 
15.       Em 9 de dezembro de 2002, o Relator Especial da ONU sobre a Liberdade de Opinião e Expressão, Ambeyi Ligabo, o Representante da OSCE sobre a Liberdade de Imprensa, Freimut Duve, e o Relator Especial da CIDH sobre Liberdade de Expressão, Eduardo Bertoni, emitiram uma declaração conjunta na qual disseram estar  “Atentos ao constante abuso da legislação penal sobre difamação, inclusive por parte de políticos e outras pessoas públicas”. Ademais, expressaram que “A difamação penal não é uma restrição justificável da liberdade de expressão; deve ser derrogada a legislação penal sobre difamação e substituí-la, conforme necessário, por leis civis de difamação apropriadas.”
16.       Apesar da condenação, quase universal, às leis de desacato, elas continuam existindo de uma ou de outra forma na maioria dos Estados das Américas.  Além disso, muitos destes seguem utilizando leis sobre delito de difamação, injúria e calúnia, que com freqüência são utilizadas, na mesma forma que as leis sobre desacato, para silenciar quem critica as autoridades. Sobre esta questão, o Relator faz algumas apreciações no ponto que segue:
C.        Os delitos de difamação criminal (calúnia, injúria, etc)
17.       A Relatoria para a Liberdade de Expressão ressaltou, nos Relatórios anuais anteriormente citados, que a opinião da CIDH em relação com o tipo penal de desacato também apresenta certas implicações em matéria de reforma das leis sobre difamação, injúria e calúnia.  O reconhecimento do fato de que os funcionários públicos estão sujeitos a um menor, e não a um maior, grau de proteção frente às críticas e ao controle popular significa que a distinção entre as pessoas públicas e privadas deve-se efetuar, também, nas leis ordinárias sobre difamação, injúria e calúnia.  A possibilidade de abuso de tais leis, por parte dos funcionários públicos, para silenciar as opiniões críticas é tão grande no caso destas leis como no das leis de desacato.  A CIDH manifestou:
[N]a arena político em particular, o limiar para a intervenção do Estado a respeito da liberdade de expressão é necessariamente mais alto devido à função crítica do diálogo político em uma sociedade democrática. A Convenção requer que este limiar se incremente, mais ainda, quando o Estado impor o poder coativo do sistema da justiça penal para restringir a liberdade de expressão. Por isso, caso consideremos as conseqüências das sanções penais e o efeito inevitavelmente inibidor que têm para a liberdade de expressão, a punição de qualquer tipo de expressão só pode ser aplicada em circunstâncias excepcionais nas quais exista uma ameaça evidente e direta de violência anárquica.
 A Comissão considera que a obrigação do Estado de proteger os Direitos dos demais se cumpre estabelecendo uma proteção estatutária contra os ataques intencionais à honra e à reputação, mediante ações civis e promulgando leis que garantam o direito de retificação ou resposta. Neste sentido, o Estado garante a proteção da vida privada de todos os indivíduos sem fazer um uso abusivo de seus poderes de coação para reprimir a liberdade individual de se formar opinião e expressá-la.[16]
18.       Para assegurar uma adequada defesa da liberdade de expressão, os Estados devem ajustar suas leis sobre difamação, injúria e calúnia de forma tal que só possam ser aplicadas sanções civis no caso de ofensas a funcionários públicos. Nestes casos, a responsabilidade, por ofensas contra funcionários públicos, só deveria incidir em casos de “má fé”.  A doutrina da “má fé” significa que o autor da informação em questão era consciente de que a mesma era falsa ou atuou com temerária despreocupação sobre a verdade ou a falsidade de esta informação. Estas idéias foram recolhidas pela CIDH ao aprovar os Princípios sobre Liberdade de Expressão, especificamente o Princípio 10.[17] Este propõe a necessidade de revisar as leis que têm como objetivo proteger a honra das pessoas (comumente conhecidas como calúnia e injúria). O tipo de debate político, ao que dá lugar o direito à liberdade de expressão e informação, gerará, indubitavelmente, certos discursos críticos ou inclusive ofensivos para quem ocupa cargos públicos ou que está intimamente vinculado à formulação da política pública. As leis de calúnia e injúria são, em muitas ocasiões leis que, em lugar de proteger a honra das pessoas, são utilizadas para atacar ou silenciar o discurso que se considera crítico da administração pública.
19.       Este argumento tem sido, recentemente, compartilhado por juízes e jornalistas salvadorenhos e costarriquenhos que concluíram que os delitos contra a honra das pessoas, cometidos através dos meios de comunicação, não devem ser castigados com a prisão mas sim resolvidos na instância civil, como uma forma de não prejudicar a liberdade de imprensa, o direito do público à informação e para evitar a auto-censura. Esta e outras conclusões emergiram das conferências jurídicas nacionais sobre liberdade de imprensa, organizadas pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) em novembro de 2002, em El Salvador e na Costa Rica no marco da Declaração de Chapultepec.[18] Embora tenha havido posições contrárias sobre o papel da imprensa frente à honra, à privacidade e à intimidade, houve uma afinidade de critérios de que os delitos de injúria e calúnia não devem levar à pena de prisão para os jornalistas quando se referem à questões de interesse público. Vários especialistas referiram-se à tipificação dos delitos e aos atenuantes e responsabilidades quando a informação causadora do agravo não é emitida com intenção de ofender, ou às diferentes tipificações quando se trata de informação verdadeira ou falsa.
20.       Também os Chefes de Estado e de Governo, no Plano de Ação da Terceira Cúpula das Américas celebrada em abril de 2001, na cidade de Québec, Canadá, manifestaram a necessidade de que os Estados assegurem que os jornalistas e os formadores de opinião tenham a liberdade de investigar e publicar sem medo de represálias, acosso ou ações vingativas, incluindo o mal uso de leis contra a difamação.
21.       As conclusões apontadas são válidas toda vez que, do ponto de vista de uma análise dogmática penal, o desacato é simplesmente uma calúnia ou injúria na qual o sujeito passivo é especial (um funcionário público). Nos delitos contra a honra, não existe tal especialidade. Então, o conjunto de indivíduos a quem podem ser dirigidos é maior, o qual não quer dizer que não se possa restringir esse conjunto, como se explicará mais adiante, excluindo-se os funcionários públicos, pessoas públicas, ou em geral, quando se trate de questões de interesse público.
22.       Não é relevante caso se trate da imputação de uma pena como conseqüência da figura de “calúnia” ou de "injúria" ou de "difamação" ou de “desacato”. Uma das circunstâncias determinantes das conclusões dos órgãos do sistema interamericano para declarar as leis de “desacato” como leis contrárias à Convenção consiste na natureza da sanção penal, isto é, produz uma sanção de caráter repressivo para a liberdade de expressão. Este efeito também pode ser produzido pelas sanções, em conseqüência da aplicação do direito penal comum. Em outras palavras: de acordo com a doutrina dos órgãos do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, resulta necessária a descriminalização de manifestações críticas a funcionários públicos, figuras públicas ou em geral, assuntos de interesse público; e isso se deve ao efeito paralisante ou a possibilidade de auto-censura[19] que produz apenas a existência de leis que prevêem sanções penais a quem exerce o direito à liberdade de expressão neste contexto.
23.       Os tipos de crimes de calúnia, injúria e difamação, consistem, em geral, na falsa imputação de delitos ou em manifestações que afetam a honra de uma pessoa. Pode-se afirma, sem dúvida, que estes tipos de crimes tendem a proteger direitos garantidos pela própria Convenção. O bem jurídico honra[20]está consagrado no artigo 11, pelo que, talvez, poderia afirmar-se que os tipos de crime de calúnia e injúria, em abstrato e em todos os casos, deixam vulnerável a Convenção. Entretanto, quando a sanção penal que se persegue pela aplicação destes tipos penais dirige-se a expressões sobre questões de interesse público pode-se afirmar, pelas razões expostas, que se vulnera o direito consagrado no artigo 13 da Convenção, seja porque não existe um interesse social imperativo que justifique a sanção penal, seja porque a restrição é desproporcional, seja  porque constitui uma restrição indireta.
24.       Os delitos contra a honra surgiram como uma “desapropriação” por parte do poder público do conflito entre particulares: tradicionalmente uma lesão à honra ou à dignidade era canalizada mediante o duelo dos envolvidos. Entretanto, esta prática social começou a ser valorizada negativamente, a tal ponto que se converteu em um fato sancionado penalmente. Mas, simultaneamente, para não deixar “desprotegida” a honra manchada, o direito penal passou a se ocupar do assunto. Daí que a derrogação líquida e certa dos delitos contra a honra pode não resultar, em nosso estágio cultural, aceitável. 
25.       Entretanto, se a proposta fosse que, pelas mesmas razões pelas que se promove a derrogação do delito de desacato, é necessário estabelecer um mecanismo para que a utilização das calúnia ou das injúria não sejam utilizadas em seu lugar, então, sem derrogar totalmente os delitos contra a honra, pode-se incorporar nos ordenamentos penais uma desculpa absolutória[21] que “elimine” a punibilidade quando o lesado for um funcionário público ou uma figura pública, ou um particular auto-envolvido em um assunto de interesse público. Não importa aqui o lugar sistemático que lhe outorgue a este tipo de regras de impunidade: entretanto, é bastante comum entre os países da região que existam razões de política criminal pelas quais decide-se não punir certos fatos. E isso não implica a derrogação certa dos delitos contra a honra. Só implica que, em certos casos específicos, a ação não é punível. Deve-se recordar que as razões de punibilidade são razões que fazem a política criminal dos Estados. As sociedades escolhem quando, frente a certos casos, determinados valores fazem que seja preferível não punir penalmente, ainda quando existam direitos potencialmente lesados: quando os ordenamentos penais decidem a impunidade dos autores de delitos contra a propriedade por razões de parentesco[22], não se derroga o furto, o roubo ou a fraude, só se afirma que não resulta conveniente a resposta penal ante esses delitos perpetrados dentro do grupo familiar. A Relatoria entende que a não punibilidade deveria ser estabelecida no caso de manifestações realizadas no âmbito de questões de interesse público.
26.       Finalmente, outro argumento que é bastante comum afirma que uma cláusula, como a que se propõe, significa, apenas, que certas pessoas não têm honra. Esta argumentação é equivocada: os funcionários ou figuras públicas têm honra, mas sua possível lesão cede lugar a outro bem que o corpo social, nesse caso, lhe outorga preponderância. Este outro bem é a liberdade de expressão, em suas duas dimensões, tanto social como individual. Um exemplo, longe deste conflito, permite dar uma luz ao problema: se no momento de começar um incêndio, um indivíduo pega fogo e a única maneira de apagá-lo é utilizando uma valiosa manta para cobrir-lo, ninguém dirá que a manta chamuscada depois da operação não tinha valor para seu dono. Ao contrário: sem dúvida, foi lesado o direito de propriedade do dono da manta, mas isso cede lugar a outro bem de maior hierarquia. 
27.       Nos casos que envolve a aplicação dos delitos contra o honra, a hierarquia da liberdade de expressão frente às expressões relacionadas com questões de interesse público tem sido considerada maior, quando a CIDH argumentou a favor da derrogação do delito de desacato. E, além disso, o fato de que os funcionários públicos e personalidades públicas possuam, em geral, um fácil acesso aos meios de difusão que lhes permite contestar os ataques a sua honra e reputação pessoal, também é uma razão para prever uma menor proteção legal a sua honra.[23] Finalmente, cabe recordar que a CIDH já estabeleceu que a obrigação do Estado de proteger os Direitos dos demais se cumpre estabelecendo uma proteção estatutária contra os ataques intencionais à honra e à reputação, mediante ações cíveis e promulgando leis que garantam o direito de retificação ou resposta. De qualquer modo, deve-se ter presente que as punições de tipo civil, se não tiverem limites precisos e podem ser exageradas, podem também ser desproporcionais nos termos convencionais.
28.       Em conseqüência, a descriminalização parcial dos delitos contra a honra não encontra objeções válidas.

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