Em briga de foice grande e debate de ânimos acirrados, os interlocutores precisam estar atentos às falácias que os homens contam. Números duvidosos, interpretações tendenciosas, ideias viciadas sobram em discursos permeados por ideologias e interesses extremados. No atual debate sobre mudanças no Código Florestal brasileiro, essa realidade não poderia ser diferente.
Quem, minimamente, acompanha esse processo percebe que nem tudo que se fala se escreve. As informações estão truncadas e os discursos polarizados entre dois grupos principais. De um lado, os ruralistas aproveitam o discurso para dizer que a preservação do meio ambiente engessa a produção agrícola. De outro, ambientalistas mantêm posição de protesto e erguem a bandeira da defesa da floresta em pé a qualquer custo.
O estudo do pesquisador Evaristo Miranda, da Embrapa Monitoramento por Satélite (leia o estudo completo), a principal referência da bancada ruralista, é um bom exemplo para mostrar esse debate tendencioso. Em sua conclusão o estudo diz: “(...) em termos legais, aproximadamente 70% do território está legalmente destinado a minorias, a proteção e preservação ambiental ou indisponível para um uso e ocupação intensivos”.
O pesquisador ressalta que parte das áreas protegidas permite atividades produtivas “como coleta de látex, de castanha, de fibras, pesca e pequena agricultura, mas excluem em geral a atividade agrícola intensiva, com remoção da cobertura vegetal nativa etc. ou submetem o uso e ocupação das terras a condicionamentos e restrições estabelecidos por planos de manejo, comitês gestores, etc.”.
Em debates, audiências públicas, entrevistas e discursos, os ruralistas defendem que a legislação ambiental impede o crescimento econômico do país. A interpretação é simplista: se 70% do território estão destinados a minorias e áreas de proteção, sobram apenas 30% da área do país para a produção agrícola, construção de infraestruturas, cidades etc. Esquecem de ressaltar que é possível uso sustentável de parte desses 70% de terra, inclusive para a pequena agricultura. E concluem que ainda bem que os brasileiros não cumprem a legislação ambiental, porque senão tudo seria uma grande floresta.
Os ambientalistas, por outro lado, assumem posturas radicais que dificultam o diálogo. Aceitam o pagamento por serviços ambientais para os pequenos produtores, mas recusam que esse pagamento seja estendido aos grandes. O pagamento por esses serviços é como um incentivo para que o proprietário preserve o ecossistema que produz oxigênio, conserva a biodiversidade e regula as funções hídricas. Nesse caso, o tamanho da propriedade não deve ser fator de impedimento para receber por esse tipo de serviço – ainda que os incentivos possam ser diferenciados.
Esse debate é sensível e está, um tanto quanto, viciado por interesses engessados. É nítido que falta pensamento de nação para se encontrar uma convergência nesse processo. Essa briga precisa ser mais inteligente e mais estratégica para o país. É fundamental despolarizar essa questão, incluindo também a indústria, o setor de energia, automobilístico e outros nessa mudança.
Para entender essa "briga de foice", veja a seguir alguns dos questionamentos e divergências apontados pelos dois grupos envolvidos diretamente nesses impasses.
Pontos de questionamento por ambientalistas. Eles afirmam que:
- o estudo do pesquisador Evaristo Miranda é um estudo parcial, que apresenta erros conceituais e de mensuração;
- o cumprimento da legislação ambiental não engessa a produção agrícola, pois a reserva legal e as áreas de preservação permanente não são áreas intocáveis, permitem exploração sobre forma de manejo;
- os ruralistas afirmam que três milhões de agricultores ficariam na ilegalidade se o decreto de crimes ambientais for cumprido. Os ambientalistas alegam que não é possível mensurar esse dado e que o próprio Censo Agropecuário não tem essa informação;
- as ONGs ambientalistas não defendem interesses internacionais, defendem o legítimo interesse brasileiro de preservar as nossas florestas;
- os ruralistas defendem interesses da oligarquia rural e interesses internacionais, pois a Europa está reflorestando 500 mil hectares de terra por ano e como não terá mais espaço em seus países, quer ampliar a produção agropecuária no Brasil;
- os ruralistas afirmam que precisam de R$ 400 bilhões (quase 15% do PIB brasileiro) para recuperar áreas degradadas, mas que esse custo está superfaturado, porque os ruralistas querem provar que é inviável recuperar áreas degradadas e querem anistia para áreas já desmatadas;
- a anistia para áreas já desmatadas é para que se continue a devastação;
- os ruralistas não têm dados técnicos que comprovem a eficácia de preservar reserva legal em outro bioma e fazer o planejamento ambiental fora da área de propriedade;
- no Brasil não existe a cultura de uso racional das florestas nacionais;
- os ruralistas afirmam que 67% do território na Amazônia têm exploração proibida, os ambientalistas argumentam que 80% da floresta podem ser explorados por meio de manejo sustentável.
(Dados de Raul do Valle, do Instituto Socioambiental, e da Liderança do PV)
Pontos de divergência colocados pelos ruralistas. Eles dizem que:
- são diferentes as visões sobre planejamento ambiental – os ambientalistas veem a propriedade privada como unidade de planejamento, os ruralistas alegam que eles têm foco na propriedade e não no ganho sistêmico;
- política ambiental nacional partindo de Brasília, sem levar em consideração as peculiaridades de cada estado e município;
- produtor rural que é responsabilizado a arcar sozinho com o ônus de proteção das florestas através de manutenção das reservas legais e APPs em sua propriedade;
- os ambientalistas taxam os produtores como os principais poluidores, mas na realidade o que ocorre é que a grande poluição hídrica e atmosférica ocorre nas cidades e não no campo. O exemplo disso é o rio Tiete, em São Paulo, que é limpo na área rural;
- os ambientalistas não levam em conta a política de proteção a partir da realidade já existente. Querem voltar a fatos pretéritos, querendo responsabilizar cada situação ocorrida, sem considerar que as políticas públicas mudaram ao longo dos anos. Um exemplo é que, antigamente, se pedia para fazer desmatamento ao longo dos rios para não ter a proliferação dos mosquitos de febre amarela;
- falta sustentabilidade no que os ambientalistas falam. Para haver a proteção ambiental, temos que considerar outros fatores, aspecto social, econômico, para no fim de tudo ter o ganho ambiental. Não adianta discurso ambientalista de plantar árvores e não ter o que comer. Tem haver esse equilíbrio;
- à medida que interesses em outros países mudam, tem que mudar nosso foco também. Mas para os outros países a regra é uma, e para nós é outra.
(Dados do gabinete do deputado Moacir Micheletto PMDB-PR)
Fonte:http://congressoemfoco.ig.com.br/noticia.asp?cod_canal=14&cod_publicacao=31067
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