“O que aconteceria se acabassem os sacerdotes na Igreja?”, pergunta o teólogo espanhol José María Castillo em seu blog Teología sin censura, 23-01-2011. E responde “Simplesmente que a Igreja recuperaria, na prática, o modelo original que Jesus quis. O que aconteceria, portanto, é que a Igreja seria mais autêntica. Seria uma Igreja mais presente no povo e entre os cidadãos”. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Na semana passada escrevi neste blog uma entrada na qual recordei como a Igreja do primeiro milênio teve um conceito da vocação sacerdotal muito diferente daquele que temos agora. Hoje se pensa que a vocação é o “chamado de Deus” para que um cristão, com a aprovação do bispo, possa ser ordenado sacerdote. Nos primeiros 10 séculos da Igreja, se pensava que a vocação era o “chamado da comunidade” para que um cristão fosse ordenado sacerdote. Mas ocorre que, nesse momento, a escassez de vocações é um fato tão notável que até os políticos cristãos-democratas da Alemanha tornaram público uma carta na qual pedem ao Episcopado que possam ser ordenados sacerdotes homens casados. Até os homens da política andam preocupados com a má situação na Igreja, entre outros motivos, pela alarmante falta de sacerdotes para atender as necessidades espirituais dos católicos.
Assim estão as coisas nesse momento. Os bispos – já o disseram os alemães – não estão dispostos a suprimir a lei do celibato. E menos ainda estariam dispostos a tomar decisões mais radicais no que se refere ao clero, especialmente pelo que diz respeito à necessidade de que a Igreja tenha sacerdotes para administrar os sacramentos. Eu não sei se os bispos vão ceder neste delicado assunto. E se cederem, quando o farão. Seja como for, me parece que chegou o momento de enfrentar esta pergunta: e se chegar o dia em que ficaremos praticamente sem sacerdotes? Seria isso a ruína total da Igreja?
O cristianismo tem sua origem em Jesus de Nazaré. Mas Jesus não foi sacerdote. Jesus foi um leigo, que viveu e ensinou sua mensagem como leigo. Jesus reuniu um grupo de discípulos e nomeou 12 apóstolos. Mas aquele grupo era composto por homens e mulheres que iam com ele de povoado em povoado (Lc 8, 1-3; Mc 15, 40-41). A morte de Jesus na cruz não foi um ritual religioso, mas a execução civil de um subversivo. Por isso, a Carta aos Hebreus diz que Cristo foi sacerdote. Mas este escrito é o mais radicalmente leigo de todo o Novo Testamento. Porque o sacerdócio de Cristo não foi “ritual”, mas “existencial”. Quer dizer, o que Cristo ofereceu, não foi um rito cerimonial em um templo, mas sua existência inteira, no trabalho, na vida com os outros e sobretudo na horrível morte que sofreu. Para os cristãos, não há mais sacerdócio que o do Cristo, que consiste em que cada um viva para os outros. Nem mais nem menos que isso. O sacerdócio cristão, assim como se vive na Igreja, não tem fundamento bíblico nenhum. Por isso, na Igreja não tem que haver homens “consagrados”. O que tem que haver são homens e mulheres “exemplares”. O “sacerdócio santo” e o “sacerdócio real” de que fala a primeira Carta de Pedro (1, 5.9) é uma mera denominação “espiritual” de todos os cristãos.
Além disso, em todo o Novo Testamento jamais se fala de “sacerdotes” na Igreja. Mais, está bem demonstrado que os autores do Novo Testamento, desde São Paulo até o Apocalipse, evitam cuidadosamente aplicar a palavra ou o conceito de “sacerdotes” aos que presidiam nas comunidades que iam se formando. Esta situação se manteve até o século III. Ou seja, a Igreja viveu durante quase 200 anos sem sacerdotes. A comunidade celebrava a eucaristia, mas nunca se diz que fosse presidida por um “sacerdote”. Nas comunidades cristãs havia responsáveis ou encarregados de diversas tarefas, mas não eram considerados homens “sagrados” ou “consagrados”. No século III, Tertuliano informa que qualquer cristão presidia a eucaristia (“De exhort. cast. VII, 3).
O que aconteceria se acabassem os sacerdotes na Igreja? Simplesmente que a Igreja recuperaria, na prática, o modelo original que Jesus quis. O que aconteceria, portanto, é que a Igreja seria mais autêntica. Seria uma Igreja mais presente no povo e entre os cidadãos. Uma Igreja sem clero, sem funcionários, sem dignidades que dividem e separam. Só assim retomaríamos o caminho que seguiu o movimento de Jesus: um movimento profético, carismático, secular. O clericalismo, os homens sagrados e os consagrados afastaram a Igreja do Evangelho e do povo. Assim o veem e o dizem as pessoas. A Igreja pensou que, tendo um clero abundante e com prestígio, seria uma Igreja forte, com influência na cultura e na sociedade. Mas remeto aos fatos. Esse modelo de Igreja está se esgotando. Não podemos ignorar todo o bem que os sacerdotes e os religiosos fizeram. E que continuam a fazer. Mas também não podemos esquecer os escândalos e violências que na Igreja se viveram e dos quais o clero, em grande medida, foi responsável.
Mas, o pior não é nada disso. O mais negativo que deu de si o modelo clerical da Igreja é que aqueles que tiveram o “poder sagrado” se erigiram nos responsáveis e, das “comunidades de crentes”, fizeram “súditos obedientes”. A Igreja se partiu, se dividiu, uns poucos mandando e os demais obedecendo. Na Igreja deve haver, como em toda instituição humana, pessoas encarregadas da gestão dos assuntos, da coordenação, do ensino da mensagem de Jesus... Mas, de duas uma: ou Jesus viveu equivocado ou quem está equivocado somos nós. Evidentemente, o final do clero não se pode improvisar. Provavelmente, a mudança vai se produzir, não por decisões que venham de Roma, mas porque a vida e o giro que a história tomou vão nos levar a isso: a uma Igreja composta por comunidades de fiéis, conscientes de sua responsabilidade, unidos aos seus bispos (presididos pelo bispo de Roma), respeitando os diversos povos, nações e culturas. E preocupados sobretudo em tornar visível e patente a memória de Jesus. Já são muitas as comunidades que, por todo o mundo, pela falta de clérigos, são os leigos que celebram sozinhos a eucaristia. Porque são muitos os cristãos que estão persuadidos de que a celebração da eucaristia não é um privilégio dos sacerdotes, mas um direito da comunidade. O processo está em marcha. E minha convicção é que ninguém vai detê-lo.
Termino afirmando que, se digo estas coisas, não é porque pouco me importa a Igreja ou porque não a queira ver nem pintada. Pelo contrário. Precisamente porque lhe devo tanto e me importa tanto, por isso, o que mais desejo é que seja fiel a Jesus e ao Evangelho.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40186
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